Protagonismo e a ilusão política

Uma vez eu pensei sobre o espaço dos homens na sociedade e sobre como eles devem atuar em prol do feminismo nesses espaços, sem dizer como as mulheres devem se comportar. Eu já pensei tanto sobre isso. E quando escrevi um texto com reflexões iniciais estava pensando mais sobre o tanto de vezes que já ouvi de homens que eu “deveria aprender a debater”, em tom professoral mesmo. E eu fiquei puta. Mas fiquei puta porque eu acho que a luta política não funciona assim, reproduzindo postura patriarcal, saca? Eu acho que é mais sobre trazer colaborações e focar na transformação dos espaços que são considerados como “lugar de homem e não de mulher”. Só que eu também não acho que a luta política funcione se a gente disser que esse cara não pode defender as nossas pautas, principalmente nos espaços de poder. Que são majoritariamente deles. E aí eu comecei a refletir sobre se o que eu disse não estava envergado para um lado que considero equivocado. O que eu disse foi até usado dessa forma, porque eu digo lá que os homens têm dificuldade em reconhecer seus privilégios. E têm mesmo, todo privilegiado tem. Mas eu tô reconhecendo aqui que talvez eu tenha contribuído pra (ou contemporizado com a) reprodução de uma interpretação errada da noção de protagonismo.

Eu tenho certeza que protagonismo feminino é importante e não abro mão dele. Mas a gente precisa discutir o que é esse protagonismo. Urgente, sério. Eu continuo achando que as mulheres precisam decidir os rumos do movimento feminista. O que eu não acho é que decidir os rumos do movimento (e a auto organização) seja a mesma coisa que discutir políticas pras mulheres ou mesmo as nossas causas. Continuo achando terrível que um homem diga como o movimento feminista deve ou não se comportar, porque isso é reprodução da velha máxima patriarcal de como as mulheres em geral devem se comportar. Já aconteceu comigo, já aconteceu com quase todas as feministas que conheço, porque acontece com todas as mulheres. Só que “senta direito”, “isso não é coisa de mulher”, “não fale palavrão”, “não mostre os peitos ou a calcinha” não é a mesma coisa que “eu sou a favor da legalização do aborto, quero contribuir com a causa”, “parto humanizado já”, “vamos acabar com a cultura do estupro”. E é por isso que eu acho que protagonismo não é a mesma coisa que lugar de fala. E alguns setores do feminismo confundem, sim. Ou manipulam de acordo com o que acreditam ser o melhor para o movimento.

Sobre protagonismo

Porque eu acho que tirar protagonismo é quando você pega um espaço que seria de uma mulher, que ela usaria pra defender uma pauta feminista, e se utiliza pra outra coisa, pra se autopromover, pra debochar, pra desqualificar, silenciar. Isso rola, sim. Mas não sempre. E não em todos os casos. Porque um homem teve espaço pra falar sobre uma pauta feminista, e falou, e defendeu (como já havia feito antes, inclusive) uma pauta que é nossa, sim. E o cara disse que espera que um dia “vamos achar a proibição do aborto um absurdo, assim como achamos um absurdo a escravidão ou o holocausto”. Isso é reconhecer que mulheres morrem todos os dias por causa de aborto inseguro e proibido. Que nos escraviza, que domina nossos corpos. E tem o Freixo que fez não um, mas dois projetos de lei sobre isso, um inclusive pra barrar o estatuto do nascituro. E eu fico pensando se quem diz que isso é “roubar protagonismo” tem noção do ônus político que o Marcelo Freixo bancou com essa postura, como outros já bancaram antes, e se foderam.

E a gente tá acostumada a ver os homens (e as mulheres também, oras) deslegitimando o feminismo o tempo todo. E aí, por conquista totalmente nossa, a gente consegue fazer com que algumas pessoas passem a ver o feminismo de maneira positiva. A gente ressignificou o sentido de ser feminista, ao menos em algumas camadas da sociedade. E aí, quando a Valesca Popozuda fala que é feminista (e algumas feministas debocham, desautorizam), várias mulheres passam a ver o feminismo com outro olhar. E isso acontece também quando um homem defende as nossas pautas. Sei lá, eu vejo isso como vitória. Quando um cara com um prestígio gigante na mídia pega esse espaço que já seria dele, de qualquer forma, e usa pra “dar visibilidade” a um discurso que não necessariamente seria publicado ali, isso deve ser considerado.

Ok, não é ideal que um homem tenha mais credibilidade que nós pra falar sobre um assunto que só vive quem tem útero, como no caso da legalização do aborto, por exemplo (destacando a ressalva que há pessoas com útero que não podem engravidar ou que não mantêm relações em que a gravidez seja uma possibilidade). O melhor seria mesmo uma mulher cis falar. Ou, em alguns casos, assuntos, espaços, uma mulher trans. E elas deveriam ser ouvidas da mesma forma, com o mesmo prestígio, em igualdade. Mas infelizmente não temos tanto espaço assim. E eu fico pensando que a melhor forma de conquistar esse espaço é continuar construindo política, é lutar por representação, é desconstruir estereótipos. Mas eu não acho que a melhor forma de reclamar por espaço seja dizendo “não temos a mesma credibilidade que você, homem, então você também não pode falar”. Acho que seria mais no sentido de “ele está falando, nós concordamos e acrescentamos que gostaríamos de ter esse mesmo espaço pra falar”. Sei lá, eu acho. E acho que não dá mais pra trabalhar com a lógica do “quanto pior, melhor”. A gente tem que garantir conquistas pra ontem. E a gente só tem 10% do parlamento. Então como a gente faz isso? É dizendo que os homens não podem ajudar a construir as nossas conquistas? Ou é dizendo “ei, você tá aí no parlamento, na mídia, nos espaços de poder, você tem obrigação de abrir esse mesmo espaço pra gente ao mesmo tempo que nos garante conquistas”? Sei lá, eu acho.

Sobre lugar de fala

Protagonismo e lugar de fala são coisas diferentes. E recentemente percebi que minha concepção sobre “lugar de fala” é totalmente diferente da que vejo em parte do movimento feminista. Pensei muito sobre isso e notei que alguns debates são simplesmente inviabilizados por essa problemática. A articulação entre alguns elementos podem ajudar a definir isso que eu tô chamando de lugar de fala. O agente em si, a posição social (raça, classe, gênero, orientação sexual etc.), e o tal do capital simbólico formam o lugar de fala de todo mundo, que se se confronta ou se alinha com outros lugares de fala ao redor. Não se trata de uma redução a um lugar sociológico, apenas, do falante, mas reconhecer que é algo que contém além da sua posição no mundo uma certa concretude que a contextualiza e envolve. O Michel Pêcheux vai falar que “’as palavras mudam de sentido segundo as posições daqueles que as empregam”. É uma relação complexa entre o plano social onde se insere o sujeito e o ato de falar. E isso com todos os conflitos, com as posições e relações de poder inerentes, com os reconhecimentos, as identidades, as representações. Assim, o lugar de fala é mais sobre como a gente analisa o que o sujeito tá falando, a partir de todos esses elementos aí, do que sobre uma posição privilegiada ou mesmo sobre algo que te autorize necessariamente a falar. O lugar de fala identifica o sujeito, mas não o interdita ou legitima, a priori.

Essa expressão se refere, então, ao posicionamento do sujeito ao falar sobre determinada temática. Dessa forma, quando vou falar sobre aborto, meu lugar de fala é explícito: uma mulher cis falando sobre algo que poderia com certeza acontecer com ela. Quando um negro ou uma negra falam sobre racismo, o lugar de fala é também explícito. No entanto, quando um homem heterossexual fala sobre lesbofobia, por exemplo, esse lugar de fala precisa ser explicitado, na minha opinião. Explicitar o lugar de fala não quer dizer desautorizar, “silenciar” (complicado isso quando o indivíduo em questão é privilegiado, inclusive) ou mesmo desqualificar o enunciador que não “vive na pele” aquilo sobre o que opina. Não se “rouba” lugar de fala, tendo em vista que ele faz parte da condição inerente à posição do sujeito que enuncia.

Pra mim, repensar a interpretação dos conceitos de lugar de fala e protagonismo envolve um desejo de fazer da luta política uma ação real e não uma reflexão ilusória, longe do concreto. Porque mesmo dentro do movimento feminista a noção de protagonismo não é consensual. E se você for conversar com algumas feministas negras, com as trans e com as gordas vai perceber isso de cara. Porque é preciso saber se a noção de protagonismo que se encampa hoje não é mais sobre um diálogo que anda em círculos (ou sequer anda) com a ilusão de que se está fazendo política do que sobre realmente enfrentar o mundo concreto. E aí a gente tem que discutir se prefere ter razão falando só pra nós mesmas, por acreditar que só nós podemos falar. Ou se prefere fazer política.

Eu sou mulher. Cis. Branca. Fiz universidade pública. Estou no doutorado. Eu sou feminista e já faz algum tempo que tô nessa batalha. Mas isso não significa que, mesmo dentro do movimento, eu serei sempre ouvida e respeitada. Porque se eu defender as mulheres trans do ataque transfóbico de vários grupos (inclusive feministas), eu vou ser esculhambada por alguns setores do feminismo. Porque se eu for antipunitivista eu vou ser acusada de defender agressor. Se eu for abolicionista penal, serei apontada como defensora de assassino, acusada de colocar vidas de mulheres em risco. Porque se eu concordar com um homem em um debate, eu sou a “feminista que os homens gostam”. Se eu defender as putas, eu sou a voz do patriarcado. E tudo isso já aconteceu comigo. E eu sou mulher. Então fico pensando se realmente as coisas são sempre sobre auto organização, sobre “protagonismo”. Ou sobre um certo medo da dissonância. Ou sobre a específica premissa de uma coalizão ilusória, em que a diferença é ameaça. Sei lá.

Não me escapa

Olha só, nego, vê se pensa direitinho. A gente sabe o que deu, só não sabe o que pode dar. E a gente sente, pensa, cansa, suspira, então não tem motivos pra não dizer. Você sabe que eu não sou de ferro. Faço graça o tempo todo, sou bicho ameaçado na raiva. Sei que isso assustou. Volta aqui, vem conversar. Me junta pra perto de você e segura meu cabelo, olha bem pra mim e me faz sentir de um jeito que eu não preciso nem falar. Você me olha e sabe o que eu quero só pelos suspiros que eu dou, ou pelo calor que você sente quando chega pra aquecer meus pés.

Você sabe exatamente o que fazer pra me arrancar gemidos. E sabe o que fazer pra me ter junto de você. Queira fazer, não vamos só deixar pra lá. Fugir é bom, mas foge comigo, não foge sozinho. Não me escapa.

Em qualquer lugar eu vou estar. Você vai lembrar de mim e das carinhas que eu fazia. Em qualquer lugar a gente pode estar. Vamos fugir por dois dias e depois voltar. Até poder fugir pra sempre. Até não precisar voltar. Lembra aí que você queria fugir comigo. Foge pro meu quarto e sai de lá só pra burocracia do mundo. Foge pro meu quarto e não sai mais. Foge pro meu quarto enquanto pode. Foge e me aperta nos braços. Só não foge sozinho. Não me escapa.

Volta aqui, nego, não me escapa! Vem me ver de dia, te esperando acordar, fazendo graça debaixo dos lençóis. Vem me ver de noite te cansando com carícias fortes. Vem me ver dormindo e me puxa pro seu peito. Vem comigo pro chuveiro e me abraça com carinho. Vem me trazer a novidade.

A gente combinou de fazer acontecer. O medo não pode ficar. Não há trauma que persista quando estar junto é tão bom. Não há trauma que justifique a distância infundada. Não há vida que sobreviva sem fuga. Mas foge comigo. Antes que seja tarde. Faz o que quiser comigo. Só não me escapa.

larara lariri

Ver as pequenas certezas arrastadas como que por um rio. Num piscar de olhos, uma ida até a cozinha, um copo de água, mãos trêmulas. Descalça, o chão falta sob os pés doloridos da caminhada que me trouxe até aqui. Não acreditei. Eram dias claros, com um sol escaldante e aquele cheiro de praia. O tempo nublou, mas nada disso fazia diferença. Os sorrisos, as mãos dadas, os planos, tudo era.

Até que não era mais. E aí, tanta coisa foi pra escanteio e deu lugar a um mar de lágrimas, dor, suor. A trilha que parecia aberta e clara, de repente vira mata. Um matagal ermo, escuro, sem horizonte ou facão nas mãos. Sem lampião, sem lenha, sem água. Uma chuva torrencial fez que ia levar os sonhos, os projetos, as canções. Tudo.

O filme volta ao começo e o desejo era só uma máquina do tempo. Ou pílulas de esquecimento. Ou simplesmente um veneno em que se possa repousar a cabeça e o coração. Nada disso ao alcance, resta sentir. E sentir parece algo próximo de despencar ribanceira a baixo. De ver cortar na carne o espinho da flor que a gente regou. Recém plantada, tão viva.

Fica difícil querer. Fica difícil parar. Fica difícil sorrir. Impossível, talvez. E aí a gente cai no samba, que o Paulinho deve ter algum conselho pra dar. Ou a gente só deita. E quase pode ouvir os arrepios da espera.

Encostar em mim de novo só quem me faz bem, eu disse. Mas acontece que eu sorri pra ti, e aí, o Chico sabe onde isso dá. Mas se eu soubesse, nem olhava a lagoa, não ia mais à praia, de noite não gingava a saia, e não dormia nua. E se eu pudesse, te diria, na boa, não sou uma das tais. Mas acontece que eu abri a porta pra você. E aí, o chão ruiu. Não sei se você sabe consertar o que sobrou. Mas o amor é bicho instruído. Vai que ele sabe. Se eu sobreviver, eu deixo ele tentar. Vai que ele sabe.

do adeus

Até o seu jeito de ir embora é bonito. As mãos que se afastam e o sorriso que vai sumindo, dando lugar a uma olhadela no relógio. Os passos curtinhos que viram passos largos ao fechar da minha porta. E eu sei que em cada som que sai desse adeus não pronunciado tem uma culpa minha. Como no dia em que eu te fiz passar horas naquele trânsito. Ou os elogios que eu respondia com desdém. Não por maldade ou algo do tipo, mas por não me sentir digna deles.

Tem uma beleza no seu jeito de colocar as mãos no meu rosto e no beijo que você sempre me dá nas costas antes de suspirar e deitar. Na sua voz quando diz “deita aqui comigo, deita”. Naquele vai e vem da mão esquerda na minha panturrilha enquanto me olha atento. No sorriso que você acha que eu não vejo só porque a luz está apagada. Nos beijos que começam no pescoço e vão até os olhos antes de dizer boa noite. E eu sei que em cada som desse adeus não pronunciado tem uma culpa minha. Como naquela noite em que você chegou cheio de coisas pra contar e eu não te respondi porque tinha bebido demais. Ou aquela manhã que você tentou me contar uma coisa, mas eu acabei dormindo em seguida e esqueci tudo.

Eu sei que todo dia você vai embora um pouco. Os passos curtos se alargam. A voz vai ficando baixinha. Não é por querer. Mas quem não sente esse medo? Quem não ouve o ensurdecedor adeus mudo? É como ter nas mãos um tesouro feito de lembranças. É como conseguir segurar um arco-íris. É como se o medo estivesse numa caixinha. Mas até o medo com você é bonito de sentir. Aí, eu disse sim, e aceitei tudo o que você não propôs.

Até o medo é bonito de sentir. E o adeus virou até… Não sei quando.

Um top cropped para o verão

Porque criar linha plus size da sua marca é fácil, quero ver é fazer as mesmas roupas com diferentes numerações!

Decidi que quero passar o ano novo sem sentir calor. Ok, é um pouco difícil, mas a roupa ajuda. Aí, essa semana saí com uma missão: encontrar um top cropped. As nossas mães chamavam de bustiê, nossas irmãs mais velhas de top, e a gente tá chamando de cropped. Não importa a época, a peça sempre foi quase que exclusiva para mulheres magras. O que varia nessa linha do tempo é o conceito de magreza – que mudou bastante, é fato, até falei sobre isso em um outro texto. Só que eu sou gorda. E é isso que torna uma missão a simples busca por um cropped.

Decidi ir a diversas lojas: de departamento, de rica e de pobre. A primeira foi uma loja de roupas femininas um pouco mais baratinha. Cheguei, sorri e perguntei: você tem cropped, moça? Com uma cara que parecia misturar surpresa e nojo, ela me olhou de cima a baixo (juro!) e perguntou “é pra você?”. Respondi que sim, mantendo ainda o sorriso, embora perplexa com a feição da atendente. Ela disse que tinha vários modelos, mas não sabia se tinha meu tamanho. A questão é que eu visto blusa M ou G, normalmente. O cropped M ou o G serviriam em mim normalmente. Qual a diferença, então, entre um cropped e uma blusa normal? A barriga de fora. A cara de nojo.

Nem olhei os modelos, fui para uma loja onde costumo comprar, por possuir tamanhos variados. O G é G de verdade, o que me faz vestir M ou G, e não um raro XXXG. Costumo ir na filial de Botafogo, mas essa era no Centro. Chegando, a moça foi logo pegando vestidos pra me mostrar. Ao perguntar sobre croppeds, a moça apenas apontou “ficam lá na porta” e saiu andando. Fiquei por mais uns 10 minutos lá, ela jamais olhou na minha cara novamente. Fui embora. Em seguida, fui a duas lojas de departamento, dessas grandonas. Olhei, olhei, olhei… Tinha muito cropped! Todos minúsculos. Todos. Andei até a área “plus size”. Nenhum cropped. Só bata, camisa, regata, túnica. Nenhum cropped.

Olha, eu detesto esse selo “plus size”. Eu não sou plus size, que é “tamanho maior” em inglês. Eu sou só um size (tamanho), como qualquer outro. Existem muitos sizes, de pequenininho a muito grandão. E eu me recuso a aceitar o rótulo de ser “maior que o normal”. O que é o normal? Notem, não estou depondo contra modelos plus size que desfilam nas passarelas e nem as moças que posam para marcas, todas maravilhosas e empoderadas, rompendo com a lógica homogênea do mundo da moda. Minha birra é outra, é com a indústria, que faz alguns “sizes” serem normais, e outros serem “plus”, anormais. Todas nós somos normais. E é isso que me faz ter tanta raiva de áreas “plus size” em lojas.

É claro que elas são importantes, é evidente que sem elas a gente sequer conseguiria comprar roupa, mas por que elas precisam ficar em um setor separado? Fazer uma linha plus size da sua marca é fácil. Quero ver é fazer todas as roupas de todos os tamanhos, sem distinção de modelo, cor e, principalmente, preço. Sim, um short até o 44 em loja de departamento pode custar uns 40 reais. O plus size você não acha por menos de 70.

Eu não sou tamanho maior. Eu sou um tamanho grande. Sou mais um tamanho possível, como qualquer mulher pode ser. Tenho direito de usar a roupa que eu quiser e de encontrar essas roupas em qualquer lugar, sem precisar ir a um corredor específico, separado, segregado, limitado e mais caro.

Eu só queria um cropped para o verão. Mas parece que em um mundo machista e gordofóbico, comprar uma simples peça de roupa precisa ser uma militância.

E abaixo uma sequência de gordas usando cropped. Tem nojo? Vai lá, vomita, que do meu cropped eu não abro mão.

imagem retirada de: http://lindagg.blogspot.com.br/2013/01/top-cropped-para-gordinhas-o-que-e-e_11.html

Aqui tem mais um monte

A ferro e fogo: tiro, porrada e bomba

Texto* produzido em resposta aos artigos sobre música e cultura recentemente publicados por Vladimir Safatle na Folha de São Paulo

Por Adriana Facina, Carlos Palombini e Mariana Gomes

Safatle lamenta que a ideologia, traduzida na Folha de S. Paulo em croûtons de filosofia, já não sirva de compensação simbólica para a expropriação real de explorados e oprimidos, que seguem a fazer música como bem entendem, a fazer pouco de seus altos princípios, e a ganhar, como ele, seu dinheirinho.

Se percorresse num sábado qualquer os becos e vielas de alguma favela brasileira ouviria uma complexidade de sons e sentidos, os pobres em suas performances a insistir em reinventar a vida diante do genocídio cotidiano. Às balas que não são de borracha, o funk responde com sons de tiros tornados percussão eletrônica, a narrar, de um ponto de vista que não aparece nos jornalões, a sobrevivência nas periferias de nossas grandes cidades. Tornar tiro som, fazer da morte música, festejar a vida em meio ao extermínio: a criação estética de sobrevivência é situacional, aposta num entrelugar onde nada é fixo, onde qualquer referencial que se pretenda universal é desconstruído, e as missões civilizatórias ruem meio que ridiculamente, a testemunhar a impotência da crítica.

Analisar culturas de sobrevivência exige deslocamentos epistemológicos que permitam pensar a différance no sentido de Derrida: irredutível a consensos que silenciem conflitos. Negociação e tradução permanentes, hibridismos que desconstroem qualquer busca por pureza ou autenticidade, porque afirmam a performance como lugar da criação cultural. É preciso descolonizar o pensamento.

*Leia o texto completo AQUI (academia.edu)

Solo não dócil, esperança fóssil

Eles querem que alguém que vem
De onde nós vem
Seja mais humilde, baixe a cabeça
Nunca revide, finja que esqueceu a coisa toda
Eu quero é que eles se foda
(Emicida – Mandume)

Tem sido difícil viver no Rio de Janeiro. Mas o mito da cidade simpática nunca me enganou, na verdade. Vivo aqui há cinco anos (sem contar os outros quatro bem vividos na terra de Arariboia) e, bastou que eu olhasse com um pouquinho de atenção para perceber que simpatia não é quase amor.

A praia, essa instituição sagrada do carioca, que não pode ser violada pela presença não subalterna de jovens negros da periferia e da zona norte, não é tema de 2015. Hoje mesmo estava me lembrando de um texto da Fernanda Torres que, por uns instantes, cheguei a achar que era deboche. Nele, ela dizia que a praia no Rio era democrática, “o lugar onde as diferenças se anulam”. Me lembrei também da moça que chama os jovens negros periféricos de “sub-raça”, mas que depois de alguns anos repensou sua fala infeliz.

Os tais arrastões, fenômeno – acima de tudo, mas não apenas – midiático por excelência, dizem que Fernanda está mal informada. Eles já serviram até pra proibir baile funk quando eu era bem pequenininha e nem sonhava em viver aqui. Eles podem ser analisados a partir de inúmeros pontos de vista, mas nem de longe podem ser tratados como “roubos comuns”. E não acontecem só no Rio de Janeiro, também vale dizer, como mostra o Palombini aqui.

Talvez eles sejam uma resposta, uma reação baseada no cansaço, na indignação pela total ausência de direitos básicos (incluindo o lazer). Talvez sejam jovens querendo se afirmar, como diz o Diogo Pereira no facebook. O fato é que parece existir um forte interesse de certos grupos em disseminar o terror. Redução da maioridade penal, Rio cidade olímpica, junho de 2013, lazer da classe trabalhadora, contexto de polarização política. Tudo isso é palavra-chave pra gente pensar esse fenômeno e principalmente a reação da mídia hegemônica e das autoridades em relação a ele.

Vence o Datena com luto e audiência
Digo que os arrastões são um fenômeno midiático porque a disseminação do medo e do ódio fica claramente por conta do telejornal. Ao governador, cabem declarações incisivas. Para o governador, se for preto, estiver descalço, sem camisa e sem documento, é pra levar pra delegacia. Nenhuma solução, apenas “mais polícia”, mesmo que – ou principalmente se – esta estiver disposta a violar artigos básicos da Constituição, como disse Thiago Bottino n’O Globo, embora eu não concorde de todo com sua análise.

Ao secretário de segurança cabe mostrar empenho. Duras críticas ao trabalho da Defensoria Pública, que nada fez além de garantir o mais primordial dos direitos ao interromper a Polícia Militar, que estava impedindo os jovens de chegarem até a praia. O prefeito diz que tudo isso é caso de Polícia. Ao “cidadão de bem”, cabe esbravejar, reclamar, disseminar seu preconceito e ódio de classe, como muito talentosamente faz há bastante tempo. Alguns deles, inclusive, convocam por facebook: levem soco inglês, tacos de baseball, vamos nos proteger!

E qual nossa parte neste todo?

Estigma, indignação
Como bem pontuou este texto, é claro que reclamar do arrastão não é mimimi de classe média. É óbvio que os donos de barraca, os trabalhadores e outros frequentadores da praia também querem um tantinho de sossego para o fim de semana. Entretanto, é importante pontuar que, embora a praia seja o espaço onde diversas classes estão presentes, o que assusta é o discurso. O texto diz que “não hesitamos em ver nos entrevistados um sintoma de ódio de classe”, mas no meu humilde ponto de vista, o discurso do ódio de classe não é exclusivo de uma classe. Ora, como bem diz Bourdieu, para que o sistema de opressões simbólicas possa existir, é preciso que o possível alvo da opressão também o reproduza. Logo, não precisa ser rico pra “odiar pobre”. O tanto de morador da zona norte que usa “favelado” como xingamento está aí pra nos mostrar como opera essa lógica.

Concordo que a galera só quer curtir a praia, os ricos e os pobres, e também acho que nem sempre os discursos convergem. Mas hoje, por exemplo, o senhor que atende no posto de gasolina que me salva em emergências cervejísticas noturnas, disse que adorou o que disse o Pezão. Legitimou linha por linha das falas que dizem “porrada neles, são vagabundos, alguém precisa se responsabilizar”. Então, não acho que seja uma mera questão de classe social que elimina o altíssimo teor de ódio contido nestes discursos.

E os camburão o que são? Negreiros a retraficar
O pós 2013 parece nos dizer que as profecias estavam corretas: o mundo acabou em 2012. Desde então, estamos vivendo numa realidade paralela. Realidade essa em que andar sem camisa, sem documento e não ter o dinheiro da passagem faz de alguém um criminoso. Viemos parar em Minority Report, mas em vez de um gigantesco aparato de previsão de crimes, temos somente alguns critérios de “prevenção”.

A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, segundo uma matéria do RJTV, tinha o nome de 730 crianças e adolescentes e divulgou o “perfil” deles. 86% são negros e pardos. 87% têm entre 12 e 17 anos. Em momento algum a matéria diz os critérios que definem o que é ser um “jovem em situação de vulnerabilidade” e nem o que fez com que esta secretaria registrasse o nome dessas 730 pessoas. Em outra reportagem no mesmo RJTV, o ato falho: imagine um criminoso em meio a milhares de pessoas. O criminoso não é pessoa. E, ao que parece, 730 jovens, em sua maioria negros e pardos, também não são.

Bomba-relógio prestes a estourar
Ora, veja só, pós-2013, preço das passagens, pessoas não têm dinheiro… a gente vai somando isso tudo e no final descobre que está aí a grande questão. Eles, da ordem, estão trabalhando duro pra que o direito à cidade seja cada vez mais pra poucos, como tantos outros direitos já são. Estão cada vez mais empenhados na missão de impedir os pretos periféricos de existirem, principalmente nos cartões postais da cidade olímpica.

Às vezes, limam a presença desses jovens nas praias encurtando as linhas de ônibus. Às vezes, em operações policiais na favela, eles excluem esses meninos não apenas do mapa da cidade, mas também do seu direito à vida, como fizeram com o Herinaldo Vinícius, morto na favela do Caju e com tantos outros. O mais triste é que esse número de mortes só aumenta. É como disse Adriana Facina no facebook, neste contexto, arrastão é preço baixo.

Governador, sabe por que essa molecada sai de casa sem o dinheiro da passagem? Porque ela é caríssima, uma das mais caras do mundo. Porque só pra ir e voltar da praia o sujeito tem que ter, no mínimo, 7 reais. Você, Beltrame, acha absurdo que eles saiam de casa sem dinheiro pra comer. Mas pasme: pra boa parte deles, todo dia é assim. E aí, quem mora num lugar que faz mais de 40 graus, não importa em que bairro esteja, vai querer ir à praia se refrescar. E tem todo o direito de fazer isso. E se precisar pular a catraca, vai fazer. E não vai ver problema algum nisso, porque de fato não deveria ser um problema circular pela cidade. Mais: essas pessoas que só querem vida digna e em troca recebem estigma, ficam sim cheias de indignação.

O Marcelo Burgos, neste texto excelente, destaca a falta de direitos a que estão submetidos estes jovens, hoje chamados pelo RJTV de “em situação de vulnerabilidade”. O Burgos também ressalta que é preciso romper com a lógica de que a polícia vai resolver isso. E mais, diz de forma tão bonita que é preciso fazer valer a pedagogia dos direitos. Eu não poderia concordar mais, porque é aí que mora, pra mim, a questão central.

A babilônia é cinza e neon
É, tem sido difícil viver no Rio de Janeiro. Na banca de frutas, o vendedor me diz: você tem que conferir tudo. Respondo que sempre escolho confiar. De cara fechada, ele completa: não confia em ninguém, não, minha filha! Saí triste e me lembrei que algumas horas mais cedo, ao passar na catraca do ônibus, dei boa tarde à cobradora que, ao me responder, sorriu e disse que já estava trabalhando há algumas horas, mas que este havia sido o primeiro “boa tarde” que ela recebeu.

Basicamente, o que quis dizer com tudo isso é que direito à cidade é sagrado, que a polícia não pode impedir a molecada de ir à praia, que “operação verão” nada mais é do que uma forma de legitimar a violação de direitos, que o terror midiático em cima dessa questão só vai instrumentalizar a redução da maioridade penal e o ódio de classe. O que é um arrastão pra quem mal pode circular sem ser barrado nesse grande espetáculo que se tornou a cidade olímpica?

Bem, eu escuto muito Emicida. Algumas frases desse texto estão no brilhante novo disco dele. E depois que vocês ouvirem, voltem aqui e me digam: vocês preferem esperar pra ver o ódio ou preferem lutar e ligar a pele preta ao riso contente? Nem preciso dizer qual a minha escolha, né?

Foto: Tercio Teixeira

Foto: Tercio Teixeira

Sobre o que a gente diz

Às vezes é uma frase que a gente diz. Uma palavra só, às vezes. É um jeito que a gente olha, um suspiro que a gente dá, um passo a frente, um jeito de encostar. Tem as palavras que a gente não diz também, mas que mostramos. Uma coisa que a gente faz pelo outro e que vale umas 300 ou 400 palavras, talvez mais. E hoje tem também os emojis. Eles falam, né? Repetem coisas já ditas, quebram um silêncio qualquer, respondem sem responder. O silêncio também diz bastante coisa. O problema é que a gente quase nunca entende o que ele fala. Aí a gente sempre se pega pensando “o que esse silêncio tá me dizendo?”. E ele continua lá, sem responder, mas falando tanto. Tem vez que ele sussurra, tem vez que ele grita, mas grita mesmo, de ensurdecer. E mesmo assim você não entende, e faz que entende pra diminuir aquela angústia.

E essa angústia dos gestos que a gente não consegue sacar, que é quase uma dor no pé, que fica ali escondidinha e você só sente quando anda. Tem os gestos que paralisam, que fazem você desistir de tudo que tinha pensado. Aí você para de vez. Ou muda o caminho todo, só por causa daquele gesto. Às vezes é um segurar nas mãos, um dedo que percorre os cabelos, um braço que te puxa, um punho que se fecha. Eles estão por toda parte, pra confundir, pra demonstrar, pra esconder. A gente se apega a eles quando não sabe mais o que fazer. E quando sabe também. Acho que no fundo a gente sempre se pauta nos gestos, que também são as coisas não ditas. É duro pra’queles que só trabalham com o dito.

Os afetos também estão aí. E eles salvam a gente um montão de vezes. Salvam da agonia, da arrogância, da dor que parece que não vai passar, da solidão. Quanta gente o afeto já não salvou de tanta treva? Às vezes a gente nem percebe e tá sendo salvo. Ou nem percebe e tá salvando. E logo eu, que nem gosto dessa coisa de salvar, porque me lembra devoção, e dessa eu tô de boa, descarto sem pena. Mas eu tô falando de salvar mesmo, de puxar pra cima quase como alguém que tá se afogando precisa ser puxado. Daquelas pequenas carícias do cotidiano em que uma mão estendida remete à terra firme que tanto faz falta naquela hora em que você não sabe nem mais onde tá.

Eu comecei falando das palavras, porque eu acho que ultimamente elas têm matado, pelo menos a mim. É, elas matam de verdade, puxam gatilhos muitas vezes. De vez em quando elas matam metaforicamente, destroem mesmo o que as pessoas têm de mais bonito. Momentaneamente ou pra sempre, a pessoa deixa de ser quem ela é (se é que isso existe, pois) pra ser quem ela nunca foi, só por ouvir algumas poucas palavras, ou por deixar de ouvir. Morrer por dentro e reviver, isso que a gente vê nos livros, nos filmes, nas novelas, parece coisa de quem vive na ficção. Dessas pessoas que andam suspirando e olhando paisagens, que caminham sendo leves feito aquelas folhas que voam na ventania. Mas eu acho que um dia todo mundo morre sem morrer, assim como tem gente que todo dia vive sem viver. Morrer é ruim. E tem ausência que mata mais que bala de carabina. Tem gente que mata sem saber. Mas às vezes é uma palavra que a gente diz. Ou que a gente deixa de dizer.

Pra um, pra dois

Eu tinha um amor infinito. Ele quase sempre dormia infinito e, vez ou outra, também acordava infinito. Dependia apenas do quanto eu deixava esse sentir tomar meu dia e de quanto você aparecia. Reticente, não havia sequer uma noite em que não pensava no quanto tinha de impossível nesse sentir, que era infinito. Ora, se são possíveis deixam de ser infinitas? Sei lá. Apenas coincidiu de ser impossível e infinito ao mesmo tempo, fazer o que? Nada, senão segurar os sorrisos para quando aqueles olhos apareciam, e libertá-los por onde havia uma leveza quase triste que ganhava o afago nos lábios se esticando. As bochechas coradas e o aceno tímido. Duas ou três palavras trocadas. E lá estava eu pensando: que amor infinito.

Às vezes aquilo transbordava. E aí eu falava mais que duas ou três palavras. Você respondia, cordial e, vez ou outra, tinha um sorriso. Para mim, às vezes, era mais que suficiente. Não me faltava nada, em suma. A premissa do impossível trazia certa lucidez. Esse pressuposto, então, me deixava tranquila, tranquila. Mas era um amor infinito. Tinha dia em que eu deixava transbordar mais, só pra me livrar daquilo. Não que fosse um peso, nem de longe, mas é quase um pecado guardar amor pra si. Se bem que amor no mundo tem de sobra, falta só fazer dele verbo. Nunca é demais, é fato, então para que guardar?

Também teve um dia em que eu te vi chorar. Não sei se imaginei ou se sonhei. Não sei se aconteceu de verdade. Mas eu vi. Era bonito. Quem disse que chorar é feio? Principalmente você. Você chorava bonito naquele dia. Eu sabia o motivo, acho, e tentei ser uma distração. Eu não me dava tanta importância. Na verdade eu de fato não tinha nenhuma. Mas era uma cena bonita. E eu cheguei a encostar em você nesse dia. Coloquei minhas mãos no seu ombro esquerdo e disse que estaria ali se você quisesse. E você quis. Então fiquei.

Errei. Esperei tanto de mim mesma. Assumi que aguentaria e me esqueci, por vezes, que amor não é sobre isso. E comecei a achar que, se havia amor, que fosse de dois. Amor de um eu já tive vários, muitos mesmo. Não quero mais. Então decidi sem volta que não estaria mais ali pra isso. Só estaria se fosse pra dois. Então fui.

Um poema no caderno

Tantos caminhos
Nestes descaminhos
E eu sozinha
Vou encontrando pecinhas
Aqui, ali, sempre há algo por saber
Desencaixes aos montes
Pra depois construir uma tenda
Onde eu ponho os palpites
E esqueço os trajetos
Que depois recupero
Sem magia, sem cansaço
Só uma linha pontilhada
Com flores sem cheiro
Mas cores a ver
E você

Se a beleza que pesa sobre todas as coisas
Neste tempo que nos sustenta
Não se sabe sequer mais onde está
Este tempo
Que eu só vejo na poesia
Mas sobrevivo
E sou normal também