Longe de nós

E se um dia a gente se entendesse? Se um dia a gente conversasse, com palavras, sem dizer o quanto discordamos? E se a gente de fato não discordasse? Sem palavras, nos entendemos. Os carinhos, os olhos se encontram, as mãos se encaixam, os sorrisos se cruzam em beijos e suspiros.

Beijar seu corpo é como velejar. Há uma brisa que refresca, mas tudo continua quente. Sentir seu suor em mim é como mergulhar, então, no mar mais azul. Azul passa a ser a cor mais quente. Seu tórax nu, seus olhos de ressaca, nada parece impor a nós as barreiras que somos.

E é quando você diz não que eu saio sem rumo. Os nãos às vezes são gestos. Não estou disposto, então, a ultrapassar suas barreiras de cicatrizes enormes, quase cirúrgicas, ao redor do peito. Então repenso, o que estaria fazendo aqui? Não sei. Só sei que estou, mas amanhã já não sei.

E me pergunto: por que precisa ser tão difícil? “É o que carrego, que me atravessa”, você responde de cabeça baixa. Levanto seu queixo com o polegar nos seus lábios. Vejo uma lágrima cair em seu colo nesse milésimo de segundo. Te olho tentando te fazer sorrir. Você até esboça um sorriso lateral, sua especialidade, mas cai no choro de novo.

“Lembra da primeira vez que você tocou meus lábios?”, pergunta. Não me recordava. “Foi quando te disse pela primeira vez: foge, ainda dá tempo. E você disse que queria ficar”, disse antes de cobrir o rosto com as palmas das duas mãos. “Antes tivesse fugido eu”, completou já soluçando.

Me lembrei, então, da cena. Sigo sem nenhuma vontade de fugir. Não fossem todos os desenganos, as decepções, os tropeços nas palavras. Não fossem os sorrisos, os abraços, as mãos que não se soltam. Não fossem as dores, os sabores. Não fosse a falta do delírio verbal, não éramos nós.

Esperei você dormir e fugi. Sem nenhuma vontade, fugi. Pra longe de nós.

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